sábado, 1 de outubro de 2011

40 anos depois....

Enquanto o mundo passava por incríveis transformações nos últimos 40 anos, o calendário parece simplesmente ter congelado no interior de uma garagem de São Gonçalo do Pará, cidadezinha interiorana de Minas Gerais. Dentro dela um perfeito sedan 1962 com exatos 9.968 quilômetros rodados repousava protegido por um cobertor e uma capa plástica, totalmente inerte à ação e ao desgaste do tempo.


A simples imagem de um carro nestas condições já aguça o sonho de qualquer colecionador de automóveis. E muitos foram os que seguiram os rastros da “lenda local”, maneira como como a existência do preservado Fusquinha passou a ser tratado nos boatos alimentados no boca a boca e no papo-furado das rodinhas que costumam se formar nos encontros de veículos antigos. Como ninguém possuía o “mapa” que levasse até a raridade, se alguém o tinha, fazia questão de esconder, o Sedan continuou “hibernando” em seu ninho, reforçando ainda mais a condição de lenda.


Mas não há segredo que dure para sempre. No começo de 2008, um colecionador paulistano enviou um “olheiro” até Minas Gerais com a missão de desvendar o mito do Fusquinha intocado. “Quando ele telefonou dizendo que havia encontrado o carro, nem perguntei o sobre o estado de conservação da carroceria ou se a mecânica estava em ordem”, sorri o atual proprietário, que prefere não se identificar. “O entusiasmo foi tamanho que me esqueci de todos os detalhes e mandei fechar o negocio na hora.”


A trajetória do besouro 1962 pintado na tonalidade azul Golf (código L390), contada e recontada pelos muitos que escutaram falar da “lenda”, na verdade é uma história corriqueira, que a cada dia se mostra mais comum no universo de carros antigos a de proprietários que usam o veículo por muito pouco tempo e depois os guardam como se fossem peças especiais preservadas para um museu ...


Segundo consta, o modelo foi adquirido zero-quilômetro por um morador de São Gonçalo do Pará. “O sujeito era dono do cartório de Divinópolis, cidade que fica 27 quilômetros dali. Como não gostava de dirigir, tinha um motorista particular contratado para fazer esse percurso diariamente”, explica o atual proprietário. “Só que as idas e vindas duraram apenas até o ano de 1969, quando o motorista trocou de emprego”, conta. “Dali em diante, ninguém sabe por qual razão, o dono do cartório guardou o Fusquinha numa garagem fechada com porta basculante, e ali o deixou, esquecido, durante os trinta anos seguintes.”


Foi apenas em 1999 que o filho do antigo motorista particular resolveu perguntar ao pai sobre aquele fusca que havia conhecido ainda na infância. Intrigado o pai resolveu ir atrás e, para sua surpresa, encontrou o besouro totalmente preservado, debaixo de um cobertor e de uma capa plastica. “O carro estava inteirinho. Apenas as lentes acrílicas dos piscas dianteiros haviam derretido devido ao calor excessivo debaixo da capa plástica”, comenta o atual dono da relíquia (NR: as lentes derretidas, testemunhos de época, não foram substituídas pelas novas já adquiridas a pedido da reportagem, que desejava fotografar o modelo exatamente da maneira como ele foi encontrado após todos esses anos).


Vendido ao antigo motorista particular, que até aquela data havia sido o único a dirigir o já raro besouro, o carrinho manteve sua condição de peça de museu. “Acho que ele ficou tão emocionado de encontrar o modelo naquele estado que ficou com dó de usa-lo no dia-a-dia”, arrisca o colecionador paulistano, hoje terceiro dono da relíquia, “mas segundo o motorista”, enfatiza.


Após quarenta anos inerte nas duas garagens em que permaneceu “hibernando”, a principal duvida sobre o Fusquinha era se o motor de 1200, dotado do arcaico sistema elétrico de 6 volts, voltaria a funcionar sem precisar ser desmontado por inteiro. Um mecânico especializado em concertar aviões comerciais foi escalado para a tarefa.


Desmonta o carburador, lima os componentes, troca a bateria ainda original por uma novinha, injeta combustível direto nas “entranhas” da máquina e ... eis que um primeiro solavanco desperta o besouro de seu longo repouso. Mais algumas tentativas e o valente boxer de 4 cilindros volta a roncar alto, com a marcha-lenta num compasso tão perfeito que mais parece uma sinfonia... “acho que ele estava só travando”, comemora o atual proprietário.


Depois de quatro décadas parado, a única recomendação do mecânico foi que se troque o filtro de combustível. “Esse filtro antigo era do tempo em que a gasolina brasileira era de boa qualidade. Não esta acostumado com essa mistura que usamos hoje, não”, diagnostica o especialista.

Passada a euforia de ver o carro funcionar, todos os presentes começam a se encantar com os detalhes da originalidade do modelo. Os primeiros detalhes a chamar atenção são os galões (borrachas de vedação da carroceria), os estribos e os suportes dos pára-choques na mesma tonalidade da carroceria. O segundo espanto foi descobrir que os piscas, mesmo com as lentes derretidas, ainda funcionam perfeitamente.



A pintura da carroceria não apresenta um sinal que seja de oxidação. Apenas uma ou outra mancha na pintura, além de pequenas bolinhas texturizadas, provavelmente causadas pelo “efeito-estufa” da capa plástica. De resto, absolutamente nada falta à originalidade externa desse Sedan 1962. Faróis, lanternas, brasão de São Bernado do Campo no capô dianteiro, nas rodas e até nos pneus são originais, fato comprovado pelas marcas na borracha: Pirelli Extraflex tipo Stelvio, 4 lonas, com câmara, 5.00/5.25/5.60-15. além, é claro, da data de fabricação: maio/61.


Ao abrir o capô dianteiro mais surpresas. O estepe permanece intocado, com todas aquelas rebarbas tipicas de pneus novos. O tanque de combustível parece novo, inclusive com o sistema elétrico de medição do nível da gasolina da marca VDO. E o macaco jamais saiu do local onde fica fixado.


A sensação de estar diante de uma carro quase zero-quilômetro também se confirma na cabine. Apesar das borrachas de vedação já estarem ressecadas, as portas ainda se fecham de forma macia e precisa: “Parecem de geladeira”, como se diz por ai.


Os bancos de curvim em duas tonalidades e os revestimentos laterais estão perfeitos, apenas um pouco amarelados devido à ação do tempo. A luz de cortesia, acima do motorista, ainda funciona, apesar da lente bastante escurecida. No painel o destaque são os instrumentos da marca Horasa, a chave de ignição ao lado esquerdo do cinzeiro e a tampa do porta-luvas com botão. Por fim os pedais de acelerador, freio e embreagem parecem milimetricamente regulados, sem qualquer folga que denuncie uso.


Após quatro décadas, o Fusquinha 62 ganhou as ruas novamente. Mas, ao que tudo indica, ele deverá voltar à rotina que teve nos ultimos quarenta anos. “Não pretendo usar esse carro no cotidiano. Quero que ele continue assim, como novo”, declara o atual feliz proprietário do fusquinha.
















































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